"desapalavrar as palavras na mente
desaparafusar as palavras d'agente
desprendê-las na letra e no papel
torná-las livres qual passarinho no céu"

26 de outubro de 2009

ato constante

o que é que se passava
por essa vida, por essa mente?
não dormia, nem sonhava
não passeava, não se importava
com as pessoas ou com os de sua raça
considerava-se insignificante
mas não sabia que um dia,
sem nem mesmo querer adivinhar,
sua existência apareceria
e todo esse cavucar o levaria
talvez, a eternidade

- mas que ato é esse?
qual motivo? –
às vezes se perguntava
sem lembrar pelo qual cavava a terra
na verdade ninguém sabia
nem ele mesmo

mas cavava incansável e
insistentemente cavava

todos que ali passavam
não entendiam, uns nem viam
ou fingiam?!

uns gritavam – ei! ei! –
mas nenhuma resposta saía
daquele minúsculo vale
simples furo

buraco simples.

na verdade não se importavam tanto
nem com seu cavucar

e quanto mais o ignoravam
mais ele cavava
não como uma regra
nem por consequência
não tinha a idéia de chamar a atenção
não tinha vontade de se tornar conhecido com tal ato
já havia se conformado com sua invisibilidade
já havia se conformado em simplesmente cavar

conforme o tempo passava
tal obra era esquecida
a cada dia mais e mais
pessoas e seres passavam
por cima dele, até que
o esperado aconteceu:

sumiu!!!

nem deram importância a tal
acontecimento, cubriu-se de
terra, varreu-se para debaixo
do tapete, construiu-se casa
em cima, caiu no esquecimento!

pobre ser!
como pode todo seu ofício
de tanto tempo
de tanto engenho
ser excluído dessa forma?
no começo pensava grandiosíssimo!
obras grandiosas…
mas depois percebeu seu destino:
cavar, somente cavar
cer esquecido e cavar
ignorado e cavar
criticado e cavar
cavar
e cavar
cavar somente
 cavar!

mesmo esquecido
cavucantemente vivia

então, muitos não acreditaram quando o viram
outros invejaram tal força…
tão pequeno ser
e tão grandiosa obra esquecida
o que no começo era só uma vontade
hoje se fazia concreto
aquele que todos haviam esquecido
surgiu novamente em sua cavucância
sugando para dentro desse vale, agora imenso
de tanta erosão de tanto cavucar,
todo ser e sociedade que o haviam esquecido
mas nem se importava
na verdade nem percebia
estava tão fundo
que nem ouviu seu nome
ser lembrado…nem que fosse
acompanhado de ódio ou de tristeza
- por que fizeste isso conosco?
te esquecemos, admitimos!
mas pare de cavucar! –
mas nem que essa prece
fosse orada, falada
cantada
gritada
esperneada
não dava para ouvir
cada vez se aprofundava mais
e mais
e mais
e mais

então uma conspiração
foi feita e eleita
para se tomar uma providência
a este fim do mundo

tomaram de toda a força
de todos os seres existentes
e sem recear
o olharam
o amaram
e depois o odiaram
pobre ser
nem culpa teve!

e tomado de pranto
e espanto, foi esmagado
pela sola do sapato
de um homem chamado Adamastor!

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