"desapalavrar as palavras na mente
desaparafusar as palavras d'agente
desprendê-las na letra e no papel
torná-las livres qual passarinho no céu"

20 de outubro de 2009

(in) saturado


ele olha para cima
sem a certeza de nada, de coisa alguma
não olha para o céu
nem as nuvens
não tenta decifrar a tonalidade do todo azul
ele olha, não distantemente
e muito menos perto demais
olha algo que não sei se existe
ou se acredita existir…
ele olha calado.

coloca a mão sobre os joelhos
a perna dobrada num gesto quase feminino
mas que nos induz à formalidade
as mãos sobre os joelhos
como se fosse um intelectual
daqueles tipos doutores que realmente sabem o que dizem
entrelaça os dedos uns aos outros
quase como cúmplices
que de tantas teorias feitas e publicadas
renomadas, descobrem que ainda não se sabe de muita coisa

parece indagar algo
ou apenas observar
será que vai passar agora?
ou apenas enxergarei o rastro?
intrigantemente, ele parado, não pisca.

move-se!
uns movimentos quase inconscientes
sua respiração é apenas para sobreviver
seu coração bate, não palpita apaixonado
ou tremula de medo ou de ódio
somente bate, e sem querer parar
porque ele olha para cima

incansável e insistente
ele fita sei lá o que!
parece não ouvir
não porque está concentrado demais para prestar à atenção
mas admirado
talvez fuja da estafa cotidiana
do trabalho que é o mesmo a vinte e cinco anos
da mulher que ama tanto e não consegue se enjoar
do romance que deixou de escrever
aquela música martelante que come voraz todos os neurônios
daquilo que sabe e todo o resto do mundo não consegue enxergar

será que olha para cima para tentar ver algo divino, curioso?
quais respostas busca?
será que sabe fazer as perguntas certas?
não sei de nada
mas ele também não
e ele olha, não mais para cima
mas para um objetivo
não o céu
nem as estrelas
ou o sol
talvez deus, não sei
e ele cumpre aqui o seu tão misterioso
e inútil/belo sentido e motivo de viver
o estagnático e insuportável
olhar para cima.

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